Tratado de Roma: a Europa 50 anos depois
Por Joao Semedo
Este fim de semana, em Berlim, por iniciativa da presidência alemã da UE, assinalam-se os 50 anos do Tratado de Roma, fundador da CEE. Ângela Merkel quer e fez anunciar uma grande festa, uma torrente de alegria por toda a Europa. Festa? Alegria? Só se for nos salões dourados das chancelarias europeias e nos locais de culto dos eurocratas que enxameiam os organismos da União. A festa não descerá às ruas e praças das grandes capitais da Europa. Os cidadãos europeus não encontram razões para festejar seja o que for, nem motivos de alegria, no rumo imposto pelas grandes potências ao processo de construção europeia.
Comemora-se um tratado para melhor ressuscitar e impor um outro, o Tratado Constitucional. Esse é o sentido político destas comemorações da srª. Merkel. A Constituição Europeia está morta mas, pelos vistos, mal enterrada. Morreu às mãos de franceses e holandeses, que a recusaram em referendo. O próprio projecto constitucional condiciona a sua validade ao voto favorável de todos os países que integram a União Europeia. Não é legítimo insistir nesta Constituição Europeia. E é, politicamente falando, um erro grosseiro. Há, sem dúvida, um impasse na Europa e na construção europeia. Vencê-lo exige a abertura de novo processo constituinte, mais democrático, representativo e participado que a convenção de "iluminados e ilustres" que elaborou o tratado que a chanceler alemã quer recuperar.
E exige, também, um texto "minimalista", que consagre os grandes princípios e valores identitários de uma Europa para o século XXI, aponte os principais objectivos que presidem à construção europeia e desenhe as linhas mestras do sistema de decisão e governação política. 50 anos depois a Europa está muito diferente. Era inevitável. A Europa saiu da guerra semi-destruída, a economia estava de rastos, o desemprego, a fome e a miséria tinham uma dimensão trágica. Era uma Europa massacrada e em declínio, dependente da "ajuda" americana. Vieram os dólares, permaneceram as tropas, instalaram-se as bases americanas.
Para o grande capital industrial e financeiro, o alargamento dos mercados era condição indispensável ao relançamento da economia. Uma economia forte para retomar o papel e a influência do continente europeu na comunidade mundial, para reganhar autonomia e dar força a uma Europa entalada entre as duas super-potências e atingida pela guerra-fria. A recuperação da capacidade produtiva e a reanimação da economia, tornava-se difícil numa Europa com padrões de vida baixíssimos, onde quase tudo faltava: habitação, saúde, educação. O estado social surgiu da necessidade imperativa de promover as condições de vida de milhões de europeus e a sua capacitação como força de trabalho. O ritmo intenso que marcava o crescimento da economia multiplicava os postos de trabalho e sustentava o modelo social em desenvolvimento. Os trabalhadores afirmavam-se como uma força motora do desenvolvimento social. A sua consciência e a sua luta impuseram importantes direitos laborais e numerosas conquistas sociais.
Não deixa de ser paradoxal que, 50 anos depois e apesar das fantásticas mudanças que ocorreram na Europa, o desemprego volte alastrar como uma mancha e a economia tenha mergulhado na estagnação. E que se trave, hoje, por toda a Europa uma intensa batalha em defesa do estado social e pelos direitos dos trabalhadores, ambos debaixo do fogo das políticas neo-liberais conduzidas por governos de direita e, nalguns casos - como acontece em Portugal, por governos dominados por partidos socialistas. A flexisegurança e a privatização dos serviços públicos são a sua face mais visível.
50 anos depois muitos desígnios do Tratado de Roma - ou a ele associados, são um rotundo fracasso no processo de construção europeia: emprego, desenvolvimento económico, direitos laborais e estado social, são realidades em perda na UE. A Europa desempenha um papel apagado e tímido na comunidade internacional. Em abono da verdade, em matéria de política internacional, a Europa existe quando a administração norte-americana precisa ou consente. A invasão do Iraque e o conflito israelo-palestiniano bem o evidenciam. Estes 50 anos demonstram que a construção europeia precisa de outros protagonistas.
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